05-08-2015

Os padrões de produção e consumo rumo a um desenvolvimento sustentável

O conceito de desenvolvimento sustentável tem ganhado espaço nas últimas décadas e, com ele, a tendência ameaçadora do aumento dos padrões insustentáveis de consumo e de produção, uma vez que hoje processamos, produzimos e consumimos mais recursos do que 1,5 planeta Terra poderia oferecer. Seguindo essa linha, estimamos que bem antes de 2050 precisaremos de mais de três planetas para satisfazer os nossos processos e demandas em todo o mundo.

Não é segredo que esse aumento na demanda de consumo está se mudando dos países desenvolvidos para as economias em desenvolvimento, o que se deve ao fato de que as principais economias emergentes estão passando por uma aceleração dez vezes maior do que a da Revolução Industrial, em uma escala de 100 vezes. Estamos em um momento de fluxo na economia mundial, citado como “a maior oportunidade de crescimento na história do capitalismo”, no qual, até 2025, o consumo anual nos mercados emergentes deve alcançar 30 trilhões de dólares. Na medida em que essas economias alcançam o status de renda (ou classe) média, uma crescente parcela de suas famílias se une à “Classe Consumidora” global de 2,4 bilhões de pessoas. De fato, muitos têm dito que testemunhamos uma explosão global de consumo entre os consumidores de classe média, com um acréscimo esperado de 2 a 3 bilhões dessa categoria de consumidores por volta de 2050 ou mesmo antes.

A transição para uma economia verde e taxas mais verdes de crescimento nos países dependerá intrinsecamente da mudança para o consumo sustentável. As taxas nacionais de consumo são parte fundamental do crescimento econômico e da produtividade nos países. Nesse contexto, o Produto Interno Bruto (PIB) é positivamente correlacionado aos gastos de consumo, visto que o modelo de crescimento dos países se baseia cada vez mais em um desenvolvimento impulsionado pelo consumo para o aumento contínuo das taxas do PIB. Hoje, os países devem avaliar a qualidade desse crescimento e sua sustentabilidade, examinando as relações entre esse crescimento e o endividamento insustentável do consumidor, a extração de recursos naturais, processos produtivos industriais, perigos à saúde do consumidor e bem-estar ambiental e da sociedade como um todo, para atingir uma civilização mais ecológica.

O aumento da demanda e dos gastos pelo consumidor tem consequências inevitáveis sobre o aumento da oferta da produção e o esgotamento dos recursos naturais do planeta, especialmente em vista do aumento da população, da renda e do número de consumidores com estilos de vida insustentáveis.

Em consonância com os princípios da economia verde, a mudança das agendas políticas nacionais e da vontade política para um consumo sustentável pode ser feita observando-se que o consumo sustentável tem efeitos positivos sobre o PIB, a inovação, os impactos na saúde e, também, sobre a estabilidade econômica, uma vez que integra uma abordagem mais sustentável para a gestão e o consumo dos recursos. As economias e os setores empresariais que primeiro adotarem políticas públicas e estratégias de negócio que apoiem o consumo sustentável e os princípios da economia verde irão apenas se beneficiar com o aumento da produtividade e da competitividade em médio prazo.

O consumo sustentável é, portanto, um meio para um fim: por meio dele, podemos atingir o objetivo maior de uma economia verde, o uso eficiente de recursos e o desenvolvimento sustentável – e “separar” o crescimento econômico e o bem-estar humano dos impactos ambientais negativos e do aumento no uso dos recursos que vemos hoje.

 

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Julie Godin, engenheira, com especializações em Engenharia Química e Administração Pública, trabalha como Oficial de Programas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), apoiando a implementação do Programa de Informação ao Consumidor no âmbito do Programa-Quadro de 10 anos para Consumo e Produção Sustentáveis (10YFP).

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Sara Castro, formada em Economia e Desenvolvimento Internacional, trabalha como Oficial de Programas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no avanço de trabalhos de consumo e produção sustentáveis em quadros políticos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eficiência de Recursos e o Pensamento do Ciclo de Vida

Mudar padrões de consumo exige transformações na própria produção. A ciência da ecologia industrial mostra que as melhorias de até 80% na eficiência dos recursos podem ser alcançadas de maneira rentável na maioria dos setores da economia. Tais melhorias podem ocorrer em setores da economia com consumo intensivo de materiais, tais como as indústrias de ferro, aço e cimento; podem ocorrer em edifícios, nos transportes, bem como no setor da agricultura; e podem incluir o uso mais eficiente de energia e água. Um relatório do Instituto Global McKinsey (2011) identificou que 75% das melhorias na eficiência de recursos viriam de um pequeno número de atividades, incluindo a melhoria na eficiência energética dos edifícios, na promoção de modais de transporte que favoreçam o transporte público, na energia renovável e uma maior ecoeficiência das indústrias pesadas, incluindo ferro, aço e cimento.

Uma ferramenta-chave para a eficiência dos recursos à disposição das indústrias e das empresas é o Pensamento do Ciclo de Vida (PCV), que abrange os impactos ambientais, sociais e econômicos ao longo da vida de bens e serviços. Uma abordagem de ciclo de vida ajuda a reduzir os impactos negativos e acentuar os positivos. O PCV permite identificar as áreas da cadeia de valor onde as melhorias poderiam ser mais bem aproveitadas, evitando os impactos que a mudança de uma categoria para outra poderia causar.

“O Pensamento do Ciclo de Vida implica o entendimento de que os materiais passam por vários passos na cadeia de produção: primeiro, são extraídos da terra; depois, convertidos em materiais de processo e combinados com outros materiais para a montagem de peças e, finalmente, do produto final. Ainda, depois disso, os produtos são enviados para os clientes e, só depois, são dispostos em alguma tendência da moda. Ao longo dessa cadeia de valor, energia e outros recursos naturais, sociais e econômicos são usados, resíduos gerados, e os impactos relacionados, tanto positivos como negativos, são distribuídos por sociedades em diferentes graus ao redor do globo.

Reciclagem

Enquanto a reutilização e a redução na fonte são as ações preferenciais para reduzir a pegada ambiental, a reciclagem desempenha um papel central para garantir padrões de consumo e produção sustentáveis. A reciclagem de embalagens de bebidas, por exemplo, pode ser um bom indicador do comportamento do cidadão e do produtor, além de oferecer um ambiente propício para tal em um país.

O Brasil ocupa um lugar de destaque na reciclagem de resíduos de alumínio, enquanto muitos países e indústrias no mundo inteiro estão muito abaixo das taxas desejáveis. Na Europa, inclusive, existe uma grande variação, com países como a Suécia apresentando taxas de reciclagem de 95% enquanto os países do Sul ficam abaixo dos 60%. O caso de como o Brasil aumentou a taxa de reciclagem de latas de alumínio pode servir como exemplo para as práticas nos países e setores de consumo de produtos.

O caso mostra como políticas sustentáveis, como a Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR), podem pavimentar o caminho para mudanças para padrões de Consumo e Produção Sustentáveis (SCP) na indústria e no consumo, ao estender o ciclo de vida de um produto (como o alumínio) e reduzir seus impactos negativos sobre o meio ambiente.

 Informações sustentáveis sobre produtos e serviços

Como a demanda por bens e serviços sustentáveis está crescendo em todo o mundo, o acesso à informação de qualidade, transparente e confiável sobre a sustentabilidade é crucial para permitir que o consumidor tome decisões informado. E, enquanto esse acesso varia entre culturas, estilos de vida e valores éticos e sociais, as pesquisas relatam confusão entre os consumidores no que diz respeito à informação sobre sustentabilidade.

Hoje, estima-se que mais de 450 rótulos sejam usados ao redor do mundo para se qualificar e quantificar os impactos ambientais e sociais dos produtos e serviços, deixando os consumidores com comparações complexas na hora de comprar produtos com atributos sustentáveis. Os desafios sobre as informações de sustentabilidade são importantes, considerando as diferentes metodologias utilizadas pelos vários tipos de rotulagem que existem hoje e abrangem diferentes fases da vida dos produtos, desde a extração, produção até o descarte, utilizando ainda diferentes sistemas de quantificação, métricas e símbolos.

As informações podem variar bastante, desde a verificação de terceira parte de informação baseada na abordagem de ciclo de vida, tal como o rótulo ecológico da ABNT no Brasil, à gestão privada dos programas de sustentabilidade, autodeclarações e afirmações de marketing. São crescentes os esforços de colaboração entre os instrumentos de informação em níveis internacional, regional e local.

Na essência do problema, está a proteção do consumidor, que garante tanto o bem-estar do consumidor final (principal meta do consumo sustentável) como o bem-estar da sociedade e das famílias – em conformidade com as diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor.

Em alguns países, a legislação de defesa do consumidor inclui a responsabilidade do produtor para o descarte adequado de produtos, rotulagem apropriada, entre outros, para garantir que o consumo sustentável não esteja apenas ligado aos impactos ambientais, mas à saúde dos consumidores e ao bem-estar das famílias também.

Como vivemos em um mundo onde os produtos químicos sintéticos tornaram-se parte da vida cotidiana, o ambiente político que regula o consumo tornou-se ainda mais importante, incluindo abordagens tais como a informação dos consumidores, regulação exigindo melhor desempenho de produtos, proibição de certas mercadorias etc.

Um exemplo de regulamentação sobre produtos que podem afetar a saúde humana é a proibição do Bisfenol-A em embalagem de alimentos, uma vez que estudos indicam que essa substância pode agir como um desregulador endócrino, podendo afetar mulheres grávidas, o desenvolvimento neurológico infantil e desenvolvimento hormonal de crianças.

Portanto, padrões de consumo e produção sustentáveis não devem ser entendidos de forma restrita à redução dos impactos ambientais de produtos e serviços, e sim de maneira holística, avaliando também os impactos sociais e econômicos ao longo de todo o seu ciclo de vida e preocupando-se, fundamentalmente, com a saúde e o bem-estar do consumidor.