05-08-2015

Muito discurso, pouca ação

A experiência da cobertura política nos ensina a valorizar os discursos persistentes. O debate – ainda que em aparente ritmo tedioso para um mundo que se alimenta vorazmente de soluções imediatistas – desperta, leva à reflexão e cria o ambiente de mudanças. A retórica ideologicamente sensível às demandas de um tempo que parece dar saltos ao ritmo do impacto dos avanços tecnológicos ajuda a criar o otimismo de que soluções serão apresentadas a qualquer instante. A política é o início, o meio e o fim. Todavia, chega um momento em que o discurso tem que ser pragmaticamente direcionado para a ação.

Procurei dar à política sua real significância para avançar sobre o tema “produção e consumo sustentáveis”. Assunto que ganha de todos defesas acaloradas, mas ainda vive de ações isoladas de poucos que em movimentos contra a maré da mesmice se dispõem a pagar o preço para mudar a cultura do lucro fácil que degrada o meio ambiente. Precisamos de avanços hoje. Dependemos de atitudes no presente. O discurso do compromisso com as “gerações futuras” está obsoleto como a máquina de escrever.

Não se constrói uma sociedade ecologicamente segura e sustentável apenas com o discurso politicamente correto. A velocidade do consumo de recursos naturais para atender demandas crescentes por praticidade e melhoria da qualidade de vida cobra com urgência uma postura proativa. Os sinais da escassez de tempo estão presentes na rotina do país: a falta d´água, o risco de blecaute energético, o acúmulo aterrorizante de rejeitos industriais e resíduos do consumo humano.

Há consenso de que é preciso estimular o quanto antes o surgimento de um novo modelo de crescimento econômico, com o uso mais equilibrado dos recursos naturais. Mas deve o Estado pagar ou só cobrar por isso? O debate não é novo. Aqui e ali surgem vozes que defendem a concessão de isenções e subsídios públicos para a criação de um sistema permanente de adoção de novas tecnologias e formas de produção mais eficientes.

A KPMG – uma das líderes mundiais na prestação de serviços contábeis, consultoria e gestão estratégica – divulgou há dois anos o primeiro índice de Imposto Verde. A empresa analisou como os governos das 21 principais economias do mundo utilizam seus sistemas fiscais para responder a desafios globais como escassez de água e energia, poluição, mudanças climáticas e inovação verde.

Os Estados Unidos apareceram no topo do ranking em função de um amplo programa de incentivos fiscais federais para eficiência energética, energia renovável e edifícios verdes. O Japão ficou em segundo lugar, mas devido à aplicação de sanções fiscais verdes. O Reino Unido foi o terceiro colocado devido ao equilíbrio na adoção de sanções e concessões fiscais. O Brasil ficou na 18ª posição entre “os mais ativos no uso de impostos como uma ferramenta para impulsionar o comportamento corporativo sustentável e atingir os objetivos de uma política ecológica”. À frente apenas de Argentina, México e Rússia.

O levantamento mostra que ao menos 30 novos incentivos, penalidades ou mudanças significativas na regulamentação de impostos foram introduzidos nos países estudados desde janeiro de 2011. Na concessão ou na cobrança, os governos de países de economias desenvolvidas passaram a agir com mais desenvoltura, elevando o protagonismo em busca de uma sociedade ecologicamente mais segura e sustentável.

Nesse período, o Brasil também deu os primeiros passos na adoção de medidas para recompensar a produção e consumo mais sustentáveis. A Lei 12.375 de 2010 concedeu um crédito presumido do IPI na aquisição de resíduos sólidos para uso como insumos. Quase metade dos estados brasileiros passou a destinar uma parcela maior da arrecadação do ICMS para compensar os municípios que, priorizando a preservação do meio ambiente, deparam-se com restrições ao uso dos recursos naturais. Mas ainda são movimentos tímidos.

Em 2006, o deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP) propôs nova redação para o artigo 150 da Constituição Federal para dar ao Estado o poder de instituir impostos sobre “produtos reciclados de matéria-prima nacional”. A abertura de uma porta para “dar imunidade tributária para estimular as atividades de reciclagem e de reaproveitamento de resíduos e rejeitos industriais e urbanos”.  A proposta não avançou.

Mendes Thame também apresentou em 2009 o projeto de lei complementar nº 493 para regulamentar “o tratamento diferenciado dos produtos e serviços em razão do impacto ambiental”. Uma proposta para valorizar quem produz de forma sustentável, reduzindo os desequilíbrios na concorrência de bens, produtos e serviços com empresas que atuam sem o devido cuidado com o meio ambiente.

Aquisições, compras, obras, serviços e contratos governamentais teriam que priorizar o impacto ambiental, privilegiando com critério especial de tributação, concessão de créditos, empréstimos e financiamentos a empresas ecologicamente corretas. Conversei com Mendes Thame. A pouca expectativa dele de que as duas iniciativas mereçam a devida atenção na atual legislatura que se estende até janeiro de 2018 foi de desanimar.

Em 2012, a deputada Jandira Feghali (PC do B/RJ) apresentou um projeto de lei para criar a Política Nacional de Estímulo à Produção e ao Consumo Sustentáveis. Uma proposta que ataca um dos problemas mais crônicos e urgentes de solução: o lixo produzido nas cidades. O PL 3899/2012 fortalece a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, ao “estimular com incentivo fiscal o setor produtivo de processamento, reaproveitamento e reciclagem do resíduo coletado”.

Jandira Feghali propõe criar o Selo Nacional de Produção e Consumo Sustentáveis. A empresa que receber o selo se beneficiará da redução de imposto de renda e de IPI para a cadeia produtiva de reciclagem de resíduos sólidos. A proposta ainda incentiva a inovação tecnológica ao modificar as regras para amortização acelerada de investimentos vinculados à pesquisa e ao desenvolvimento.

A Câmara dos Deputados chegou a criar uma Comissão Especial para analisar a proposta em 2013. Mas o debate não foi adiante e o projeto acabou arquivado. Desarquivado neste ano, a Comissão Especial foi novamente instalada para debater o tema. Um novo ponto de partida em busca de uma resposta mais contundente para os problemas ambientais que só se avolumam.

Já lá se vão 15 anos do Século XXI e a Agenda 21, aprovada aqui no Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, ainda está muito no discurso da política e muito pouco na ação do nosso dia a dia.

Júlio Mosquéra (foto), jornalista com especialização em Mídia e Política pela UnB. Atualmente é repórter de Política da TV Globo em Brasília. É autor dos livros Associação dos Deserdados (2000), e “E Eu Com Isso?” (2006) que resultou da série de política para o programa Fantástico, da TV Globo.