23-02-2012

O protagonista da reciclagem

Não há dúvidas de que o catador de materiais recicláveis tem um papel fundamental no modelo de reciclagem brasileiro. Mas que tipo de profissional o país quer? O  miserável, que vasculha o lixo urbano à procura de seu sustento, ou o catador organizado, profissionalizado, recebendo um salário digno pelo trabalho que realiza? Esse será um dos temas do Ciclo de Debates Abralatas 2012, que será realizado nas cidades de Rio de Janeiro-RJ, Porto Alegre-RS, Manaus-AM e Recife-PE.

Para o diretor executivo da Abralatas, Renault Castro, a atual legislação, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), dá a orientação do que a sociedade deseja. “Ficamos anos discutindo a construção da PNRS, que estimula, valoriza a formação de cooperativas e a participação desses trabalhadores no processo de coleta seletiva e reciclagem. É uma lei construída com intensa participação da sociedade, inclusive com o fundamental apoio e orientação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). É obvio que a lei quer humanizar o trabalho, quer que o catador tenha renda digna e condições adequadas para exercer sua atividade”, avalia Renault.

A discussão é importante no momento em que surge uma crítica ao modelo brasileiro, sustentada por uma organização europeia – a Sociedade Ponto Verde – e a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), que se sente ameaçada com a possibilidade de as prefeituras contratarem diretamente as cooperativas, como prevê a PNRS. Em recente reportagem no jornal o Globo, o representante da entidade critica a proposta em discussão no Ministério do Meio Ambiente e classifica o modelo de “semiescravagista”.

“Deve estar se referindo à imagem que todos nós queremos abolir, a do catador que não tem direitos, que vasculha os lixões – que serão extintos -, aquele trabalhador que trabalha em condições subumanas. É um personagem que não está previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos”, avalia o diretor da Abralatas.

Segundo Luiz Henrique da Silva, membro da Comissão Nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, o movimento participou da construção da PNRS, inclusive da redação, o que garantiu a inclusão do catador na Política Nacional. “Para os catadores, o Ponto Verde vem fazer o que as cooperativas já fazem. o que deixa transparecer é uma tentativa de impor uma concorrência ao substituir as cooperativas, excluindo os catadores do processo”, declara.

“Nós temos um modelo que é referência mundial”, destaca Victor Bicca( foto),info_42_foto_08e do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), lembra Victor, destaca o trabalho realizado no Brasil. No documento “Empregos Verdes: Trabalho decente em um mundo sustentável e com baixas emissões de carbono”, o Pnuma apresenta as “lições de um líder mundial em um setor do futuro” e diz que “o país (…) adota métodos pioneiros para melhorar os empregos no setor da reciclagem”.

O presidente do Cempre acredita que a proposta do Ponto Verde, entidade europeia que assume a responsabilidade dos empresários na logística reversa, não funcionaria em um país de extensão continental como o Brasil. “Seria como criar uma Lixobras, uma empresa para organizar toda a coleta e reciclagem do país”, avalia Victor Bicca. Além disso, exigiria financiamento para funcionar e um esforço do consumidor para levar seus resíduos aos pontos de coleta. “Nesse modelo, todo mundo é obrigado a participar”.

O diretor executivo do Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), José Aparecido Gonçalves, é enfático ao dizer que a PNRS foi construída analisando as áreas social, econômica e ambiental do Brasil. “Nós temos uma diversidade de atores e tecnologias vamos sistematizar os indicadores de resultados e implementar o que condiz com o cenário internamente. No Brasil a realidade é outra.  Temos quase um milhão de pessoas que se sustentam por meio da política que temos hoje. o que queremos é dar a esses agentes uma infraestrutura adequada”. Para José Aparecido, a Política Nacional deixa claro o interesse em tornar o catador protagonista do sistema ao garantir a contratação de cooperativas independente de licitação.

Luiz Henrique alerta que, num sistema semelhante ao modelo europeu, a participação dos catadores pode ficar limitada. “A conquista do Marco Legal com dispensa de licitação está sendo colocada em risco. Se o Ponto Verde for implementado, o que pode sobrar para os catadores é a separação de materiais nos galpões, recebendo alto índice de rejeitos e resultando na segregação das cooperativas”, afirma.

Nas etapas deste ano, o Ciclo de Debates Abralatas vai avaliar como o assunto está sendo tratado pelas prefeituras, que precisam apresentar até o início de agosto seus planos de gestão de resíduos sólidos para terem direito de receber recursos federais nessa área.

Posição da Abralatas

Às vésperas da realização da Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, que tem entre seus temas principais a discussão da economia verde como ferramenta de erradicação da pobreza, surge um debate importante, porém carregado de interesses.

Para a Abralatas chega a ser absurdo imaginar que o setor defende a manutenção de um catador trabalhando em situação desumana. Só quem chegou agora ao debate ou que esteja preocupado com o fortalecimento das cooperativas (com quem vai ter que disputar mercado para coletar resíduos urbanos) pode criticar os acordos setoriais que estão sendo definidos pelo Ministério do Meio Ambiente.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, legislação construída com o movimento nacional dos catadores, tenta acabar com trabalhos em condições indignas. Dá prazo de validade para os lixões e estimula que prefeituras contratem cooperativas de catadores – trabalhando em condições adequadas, humanas – para reduzir a quantidade de resíduos e evitar incineração indesejada.

Há anos a Abralatas trabalha nesse sentido, o de humanizar um trabalho essencial para a sociedade. Apoiamos iniciativas para evitar o trabalho infantil, atuamos em parceria com associações de catadores e com o Ministério Público para melhorar a qualidade do emprego, estimulamos a formação de cooperativas e a capacitação dos catadores.

A lata de alumínio tem uma contribuição importante a dar nessa área. Quer ajudar a ampliar a reciclagem de outros materiais e, para que isso aconteça, é fundamental dar valor a quem merece. A legislação brasileira estimula a formação de cooperativas e suas contratações pelas prefeituras porque sabe que o catador é protagonista. Essa é a mensagem que queremos passar.

 

 

 

>> Notícias da Lata - Edição 42

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