07-06-2018

Câmbio!

AMYR KLINK Navegador brasileiro, palestrante e escritor. Foi a primeira pessoa, em 1984, a fazer a travessia do Atlântico Sul a remo a bordo do barco IAT.

Defensor fervoroso da Economia Circular, o navegador Amyr Klink fala sobre a poluição invisível dos mares e critica o processo industrial que não se responsabiliza pelo rejeito produzido.

Ele conhece como poucos os efeitos da ação dos homens sobre os oceanos. Há três décadas viaja em seu próprio barco, construído em alumínio, para o continente Antártico. E percebe, literalmente na própria pele, as mudanças ocorridas na natureza. O navegador brasileiro Amyr Klink, primeiro homem a cruzar o Atlântico Sul em um barco a remo, conta nesta entrevista para a Revista da Lata sua preocupação com a poluição dos mares e aponta sugestões para reduzir o impacto ambiental do Planeta. Uma delas, a adoção de políticas públicas de incentivo tributário ambiental. “Se for esperar pela reeducação das pessoas, isto vai demorar algumas gerações. Uma maneira é impor sanções tributárias, punitivas, para que as pessoas não produzam rejeitos.”

Antes de começar o bate-papo com a equipe da Revista da Lata, Amyr Klink se apresenta: “Também sou fabricante de latas, mas faço latas que navegam. Há trinta anos faço barcos de alumínio, que chamo de ‘lata’. A gente faz com baita esmero, empenho, cuidado, para que eles possam viajar para muitos lugares. Eu gosto muito do alumínio porque é um material totalmente reciclável e tem várias vantagens em relação a outros materiais”.

Mesmo sendo um contato telefônico, a conversa foi iniciada por Klink com a expressão “câmbio”, utilizada na comunicação por rádio. Como nesse sistema não há a possibilidade de os dois interlocutores falarem ao mesmo tempo, “câmbio” indica que a pessoa está passando a palavra, dando a oportunidade para o outro se manifestar. Nesta entrevista, Amyr Klink dá o seu recado. Agora é a nossa vez, câmbio.

 

AMYR KLINK Navegador brasileiro, palestrante e escritor. Foi a primeira pessoa, em 1984, a fazer a travessia do Atlântico Sul a remo a bordo do barco IAT.

AMYR KLINK
Navegador brasileiro, palestrante e
escritor. Foi a primeira pessoa, em
1984, a fazer a travessia do Atlântico
Sul a remo a bordo do barco IAT.

Revista da Lata – Há trinta anos você faz viagens para a Antártida. O que você presenciou nesse período que pode atestar a mudança climática do mundo?

Amyr Klink – Há uma série de mitos e tabus. Um é dos lixos nos oceanos. Não é um grande problema. O problema está na contaminação invisível, na contaminação química, que não flutua. Esta contaminação que a gente testemunha, a cada ano com mais plástico, não saberia dizer o impacto que tem. Mas tenho certeza que é infinitamente menor que o impacto da contaminação direta, química ou física, invisíveis.

 

RL – De toda forma, é decorrente da ação do homem sobre os mares. Você vê alguma solução para isso?

Klink – A solução sobre poluição envolve vários aspectos em escalas diferentes. Em primeiro lugar a legislação, as instituições, a educação, a cultura. Em vários países, asiáticos, africanos e sul-americanos, a gente não tem esta cultura de pensar o que acontece com os rejeitos. E o resultado disso é que a contaminação é muito alta, muito pouco perceptível. Temos as frotas, embarcações orientais que transitam pelo mundo, que têm uma responsabilidade importante na contaminação. Quando viajamos pelo litoral brasileiro, encontramos garrafas de detergente chinesas, lixo chinês, cigarro chinês. Existe um ambiente onde jogar no mar é uma solução simples e prática para se livrar do lixo. Por outro lado, há uma questão interna, de cultura, de educar as pessoas para não produzir rejeitos. Temos uma tradição histórica de produzir uma quantidade muito grande de rejeitos e nunca se preocupar com isso. Pensamos só em jogar fora. Não. Não tem fora. Jogamos no próprio pé. Acho essa questão educacional extremamente desafiadora, porque ela só apresenta resultados para outras gerações.

 

RL – Se houvesse uma política para incentivar o consumo e a produção de produtos de baixo impacto, como incentivo tributário, isso poderia de alguma forma ajudar na educação?

Klink – Exatamente. Não é uma solução sozinha, mas uma das soluções. Se for esperar pela reeducação das pessoas, isso vai demorar algumas gerações. Uma maneira é impor sanções tributárias, punitivas, para que as pessoas não produzam rejeitos. Outra solução interessante é construir uma Economia Circular, onde o rejeito de um processo se transforme no insumo do processo seguinte. Essa é uma discussão que está muito acima do Brasil para discutirmos agora. Mas é importante que pessoas atuantes nesse setor tenham consciência disso. Sou totalmente contra a reciclagem. A reciclagem é um processo completamente absurdo, burro, bestial, de tentar consertar um erro nosso. Não tinha que existir a reciclagem. Tinha que existir uma economia circular onde a sobra de um processo entre na cadeia do processo seguinte. Não tem que reciclar nada. Mas isso é uma conversa para daqui a 100, 150 anos.

 

RL – Estamos em um processo eleitoral. Você acha que essa questão deveria estar na pauta dos candidatos?

Klink – Acho que a questão da sustentabilidade, infelizmente, em um país com tanta desigualdade social e uma cultura tão aprofundada de corrupção, a sustentabilidade está em segundo plano. Nós brasileiros somos corruptos por natureza. Somos um país que aceita a corrupção. E no processo eleitoral atual percebemos um novo fenômeno, o problema da segurança. Está todo mundo falando em sustentabilidade, preservação do meio ambiente, mas um dos entes a ser preservado no meio ambiente é o ente humano, que está seriamente ameaçado. Eu me sinto ameaçado neste país. As pessoas com quem eu convivo se sentem ameaçadas. As pessoas com quem eu trabalho se sentem ameaçadas. A questão da segurança se transformou no primeiro elemento. Por isso você vê candidatos de extrema direita, militaristas, radicais conseguindo tanto apoio popular. E a segurança das pessoas é uma questão que está muito à frente das questões ambientais. O brasileiro médio está se lixando para a questão do meio ambiente. Vai continuar poluindo, jogando lixo, não vai cobrar saneamento, não vai cobrar nada. Ele quer primeiro a salvaguarda da família dele. Na minha visão, diante das eleições agora, é a primeira vez que, talvez, tenhamos a oportunidade de questionar assuntos mais sérios e um deles é a segurança das pessoas. Estou me lixando para a segurança das árvores, das terras, cachoeiras, das nascentes. A primeira coisa que as pessoas pensam é a segurança da família. A árvore você corta, destrói, queima. A melhor matéria-prima para fazer energia no Brasil é a arvore. Eu sou contra petróleo, acho que a gente tinha que produzir energia a partir das árvores. Porque árvore você planta, replanta, peletiza. Madeira peletizada é a forma mais sustentável hoje de produzir energia. Ninguém fala sobre isso no Brasil. Mas antes disso vem a questão da segurança, que é complicada.

 

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RL – É uma preocupação mais imediata. Mas a própria ONU diz que até 2050 vai ter mais plástico que peixe nos oceanos. É algo que pode estar longe, mas tem que ser prevenido, não acha?

Klink – Nós teremos problemas com plástico, claro. Mas teremos outros, muito piores. São problemas químicos, de acidez, problemas de contaminação que não são visíveis, com a atividade econômica, a indústria química, o excesso da pesca, enfim, há várias outras questões muito mais sérias do que saquinho plástico boiando na beira da praia.

 

RL – Você já disse que tempos atrás conseguia usar o mesmo equipamento por várias temporadas e que isso é impossível hoje devido à radiação. O que aconteceu?

Klink – É o desgaste do polipropileno. A ação dos raios ultravioleta ficou muito forte nos últimos anos. Há quinze, vinte anos, eu tomava sol, ficava sem camisa na Antártida. Hoje, se eu ficar umas duas horas tenho que ir para uma UTI. As correias de polipropileno, um material hipersensível à ação ultravioleta, antes duravam cinco, seis temporadas. Hoje duram menos de uma temporada. Em dez anos, houve uma transformação brutal na ação dos efeitos naturais. Todos os anos, há trinta anos, eu visito a base de Vernadsky, antiga base inglesa de Faraday, onde surgiram os estudos do buraco de ozônio. O fato é que a falha na camada de ozônio se tornou muito forte nos últimos anos. Não sou cientista, não quero dar parecer sobre isso, mas tenho um exemplo prático que é real. Hoje a ação ultravioleta é devastadora em relação ao que era dez anos atrás.

 

RL – Amyr, você critica muito a reciclagem em suas declarações. Estamos falando da mesma coisa? Da reciclagem da lata de alumínio, por exemplo?

Klink – No caso da lata não é reciclagem. A lata de alumínio é um material totalmente recuperado, não é reciclado, é totalmente recuperado. Quando reprocessado, recupera todas as suas propriedades originais, vira alumínio puro de novo, infinitas vezes. O que eu critico é que precisamos construir uma indústria de recuperação de recicláveis. Deveríamos ter processos industriais onde, quando eu compro um carro, sei que todos os materiais, depois de alguns anos, serão reprocessados. Não temos ainda esse processo construído. Ele acontece a fórceps. Mas, em algum momento da nossa história, teremos que construir comunidades industriais onde o rejeito de um processo vire insumo do processo seguinte e onde as sobras de cada produto já tenham sido pensadas, tenha uma solução.

Eu me recuso a levar material ao supermercado para reciclar. É uma afronta à inteligência das pessoas. O fabricante tem que ser obrigado a recuperar os materiais decorrentes do processo dele. O fabricante de Tetrapack – ele, não o supermercado, nem o consumidor – tem que assumir o ônus da recuperação do material. Essa legislação não existe ainda, mas espero que exista um dia. Compete ao fabricante pensar em todas as etapas do modelo produtivo dele. Tem marketing, tem distribuição, vendas, engenharia, design, todas essas etapas, e uma delas é como recuperar o que sobra do produto após o consumo. O ônus deve ser do fabricante e não do consumidor. Infelizmente, as pessoas que falam sobre sustentabilidade no Brasil, em sua grande maioria, são totalmente hipócritas. Elas só enxergam a superfície, não enxergam o processo todo.

 

RL – Você tem uma casa em Parati onde só se chega pelo mar. Como você faz com o material de resíduos.

Klink – É uma casinha sem energia elétrica, sem acesso para carro, mas é quase um folclore… morei lá há muitos anos, mas hoje moro em São Paulo. Tenho uma preocupação muito grande com tudo o que consumimos, com os rejeitos. Vivo em uma cidade onde percebemos que não há uma política séria em relação ao uso de resíduos, de rejeitos. Não há um código de obras que estimule as pessoas a instalarem, por exemplo, unidades de geração de energia ou de tratamentos dos efluentes. Quando você se depara com habitações de baixa renda ou zonas de ocupação irregular, sabe que jamais a preocupação principal será a sustentabilidade ambiental. A preocupação principal é a sobrevivência. Temos que mudar essa escala. É muito fácil mudar. Podem-se criar operações urbanas, transformar zonas ocupadas irregularmente em zonas regulares, desalojar as pessoas e colocar para morar em lugares regularmente construídos. Enfim, tem solução para isso de sobra. Só que não tem capacidade técnica, política, para fazer isso acontecer. Incomoda-me bastante a inércia que temos em relação a esses problemas.

 

RL – Você tem algum projeto para os próximos anos?

Klink – Todo ano tenho um projeto diferente. No próximo ano quero ir para a Austrália, depois quero trabalhar mais profundamente no projeto das ilhas flutuantes. Eu gosto da ideia de usar planos de água para habitação, para moradia e para negócio, trabalho.