15-08-2009

A necessidade fez a lata

Em seu livro “Objetos de Desejo”, o inglês Adrian Forty analisa o design de produtos ao longo dos anos e destaca a lata de bebida entre as peças que marcaram a história dos bens manufaturados. “Seja lá quem a inventou, o sujeito pertence à categoria dos gênios. A lata funciona tanto como uma embalagem, em que é possível beber diretamente e que preserva um líquido com gás, quanto como uma ferramenta, cujo anel desenhado de maneira requintada instiga nossos dedos a operá-lo sem nenhuma necessidade de instruções”.

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Mas a latinha como conhecemos hoje, este objeto de última geração em design e tecnologia, tem uma história que confirma o ditado de que a necessidade faz o homem. Armazenar alimentos para consumo posterior foi um dos problemas enfrentados na antiguidade pelos homens. Sem eletricidade, usava-se o sal ou a fumaça como conservantes. A procura por solução para esse problema motivou o surgimento das primeiras embalagens. Mas essas ainda não davam resultados satisfatórios.

A necessidade motivou a pesquisa. Em 1795, sem ter como manter alimentos disponíveis por muito tempo para soldados, o governo francês ofereceu um prêmio de 12.000 francos para quem inventasse um método de conservar comida.  As tropas de Napoleão Bonaparte estavam sendo arrasadas mais pela fome e doenças relacionadas que pelo combate direto com inimigos.

Passaram-se 14 anos até que um parisiense, Nicholas Appert, teve uma idéia. Ele usou sua experiência de ex-doceiro, vinheiro, chef, cervejeiro e produtor de pickles, para aperfeiçoar sua técnica. Vedou garrafas com rolhas e as imergiu em água fervente, conseguindo prolongar o tempo de validade dos alimentos. As descobertas de Pasteur (que seres microscópicos eram os responsáveis pela transformação de uva em vinho) surgiram quase um século depois, em 1857. Contudo, Appert supôs que como no vinho, a exposição ao ar estragava a comida. Assim, a comida colocada num recipiente que vedava a entrada do ar ficaria fresca e com boa qualidade. E isso funcionou, garantindo ao inventor um prêmio, entregue pelo próprio Napoleão em 1810.

No mesmo ano, o Inglês Peter Durand recebeu uma patente do Rei George III pela idéia de preservar comida em “recipientes de vidro, cerâmica, aço e outros metais”. Durand pretendia superar Appert com a utilização de recipientes de aço. A grande vantagem é que a embalagem seria mais fácil de manusear e mais resistente que o vidro. Em 1825, o inglês Thomas Kensett registrou a patente da lata feita de folha-de-flandes (aço revestido de estanho) nos Estados Unidos e ficou conhecido como o “pai” da indústria da lata.

A primeira lata de cerveja apareceu em janeiro de 1935. A Krueger, uma pequena cervejaria de Newark, EUA, foi pioneira. A lata pesava 85 gramas – cinco vezes mais pesada que as atuais – e era fabricada com folha de flandes. Em seis meses, as vendas da Krueger se multiplicaram por cinco. Em um ano, 37 fábricas venderam 200 milhões de latinhas. As vantagens já eram explícitas: facilidade no transporte, na estocagem, resistência e possibilidade de decoração da lata.

A primeira empresa a utilizar latas de alumínio para bebidas gaseificadas foi a americana Reynolds Metals Co., em 1963. Foi utilizada para envazar um refrigerante de cola chamado “Slenderella”.  Nessa mesma década, foram introduzidas as latas de alumínio com o sistema de abertura easy-open (fácil de abrir). Em meados dos anos 70,  surgiu o sistema de abertura stay-on-tab (anel preso à tampa). Ao longo dos anos seguintes, novas tecnologias foram desenvolvidas e aplicadas a essa crescente indústria, hoje espalhada por todo o Planeta.

No Brasil

A maioridade da latinha de alumínio no Brasil foi atingida em outubro de 2007. Dezoito anos antes, a primeira lata saía da fábrica da antiga Latasa (hoje Rexam), em Pouso Alegre (MG). Era o início de uma história de sucesso, que modificaria o perfil do consumidor brasileiro. Aos poucos, substituiu as antigas latas de folha de flandes e conquistou fatias de mercado destinadas a outras embalagens, com taxas de crescimento acima de 30% ao ano.

A viabilidade da produção da nova embalagem só foi possível graças à elevação da produção nacional de alumínio primário. O Brasil se tornou auto-suficiente em 1982, o que permitiu a implantação de uma fábrica de chapas específicas para a produção das latas. Em 1986, a Alcan (hoje Novelis) instalou um laminador a quente em Pindamonhangaba (SP), equipamento único na América Latina. Dois anos depois, após aperfeiçoadas tecnicamente, as chapas de Pindamonhangaba foram avaliadas por dois laboratórios no exterior e aprovadas para a produção industrial das latinhas.

As primeiras latas de alumínio, produzidas em 14 de outubro de 1989, tinham três peças (corpo, tampa e fundo). O avanço tecnológico permitiu a fabricação das latas como são produzidas hoje, com duas peças (corpo e tampa).

Com o aumento da demanda, a Latasa construiu, entre 1991 e 1996, seis novas fábricas no Brasil: Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Os números expressivos do setor atraíram empresas concorrentes. Em 1996, duas gigantes mundiais do setor se instalaram no país. A Crown Embalagens ergueu sua fábrica em Cabreúva (SP), enquanto a American National Can (ANC) inaugurava sua unidade em Extrema (MG). Em 1997, a Latapack-Ball começava suas operações em Jacareí (SP). Em 2000, a inglesa Rexam adquiriu a ANC e três anos depois comprou os ativos da Latasa.

As três empresas instaladas no país: Rexam, Crown e Latapack-Ball, passaram a ampliar a produção ano a ano, fabricando corpo e tampa em todas as regiões do país. Hoje, a capacidade de produção ultrapassa 14 bilhões de unidades ao ano, em 14 fábricas espalhadas pelo Brasil, empregando mais de 2.500 pessoas.

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