15-08-2012

Só o conhecimento pode nos salvar

Carlos Alberto Sardenberg, é jornalista, comentarista econômico da TV Globo e âncora da rádio CBN. Neste espaço, comenta e analisa notícias econômicas.

Carlos Alberto Sardenberg, é jornalista,
comentarista econômico da TV Globo
e âncora da rádio CBN. Neste espaço,
comenta e analisa notícias econômicas.

Já somos 7 bilhões de almas e, nos próximos 25 anos, vamos a 9 bilhões. Nesse número, conforme os estudos mais aceitos, a população mundial deve se estabilizar, para declinar mais à frente. Tudo bem, portanto? Evitaremos uma explosão demográfica?

A resposta é sim, quando se olha no longo prazo. Para os próximos tempos, porém, a mudança é dramática: mais dois bilhões. Isso equivale a uma China e meia, duas Índias ou mais de 12 vezes o Brasil.

A comparação é interessante porque o aumento populacional se dará dominantemente no mundo emergente. Considerando que este passa por uma vigorosa expansão econômica e pode manter-se nesse ritmo pelas próximas décadas, esta parte do Planeta terá mais gente e, ponto essencial, gente com maior poder aquisitivo.

Este último fator é o mais importante. Quando cresce a renda em um país rico, a pressão sobre o consumo é relativamente moderada. Comida, por exemplo: as pessoas já se alimentam bem e, não raro, estão até acima do peso. Ganhando um pouco mais dinheiro, não têm como comer mais. Podem mudar de hábito, passar para os orgânicos mais caros, por exemplo, mas o volume de consumo de alimentos não tem como crescer de maneira significativa.

Passe para um país emergente. A renda per capita salta de US$ 2 mil/ano para US$ 10 mil – o que acontece? Isto mesmo, dispara o consumo de carne, leite, biscoito, açúcar, pão, iogurte, sal, arroz, batata, frutas e por aí vai.

É um dos aspectos cruciais do fenômeno social do momento, o surgimento das novas classes médias do mundo emergente. Só na Ásia, calcula-se que, todo ano, 40 milhões de pessoas deixam a pobreza e tornam-se consumidoras. No Brasil, essa classe C saltou de 30% da população, no início deste século, para 55% hoje.

É o movimento normal do desenvolvimento: diminui a participação dos ricos e pobres, engorda a classe média. Isso acontece hoje na parte mais populosa do Planeta.

A partir daí, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um centro de estudos que reúne os países mais desenvolvidos, estima que a oferta mundial de alimentos terá de subir pelo menos 20% só para os próximos dez anos.

A agricultura, hoje já limitada por restrições ambientais, terá que aumentar a produção. Isso vai acontecer, neste ou naquele país, de um modo ou de outro, pela simples e boa razão de que haverá pessoas demandando comida. Não se pode dizer a uma população que recém deixou a pobreza e começa a ingressar nos padrões de classe média que ela precisa limitar seu consumo de alimentos.

Mas essas pessoas do mundo emergente não demandam apenas comida. De novo, repare na comparação. Na Alemanha, está quase tudo pronto: há casas para todos, serviço de água e esgoto, ônibus, trens e aviões, estações e aeroportos, estradas e…carros.

E haja automóveis. Japão, União Europeia e Estados Unidos devem ter hoje 60 automóveis para 100 habitantes. Na China e na Índia, os dois gigantes do mundo emergente e que têm um terço da população global, essa relação é de 3 para 100. Esses dois países estão entre os que mais crescem.

Ora, desenvolvimento é igual a urbanização. Assim, a expansão dos emergentes exige a construção de cidades inteiras, e de tudo que cabe nelas, pois as populações vão exigir a sua parte da festa.

De novo, não se pode dizer aos chineses: “lamentamos, mas vocês chegaram tarde à festa; justo agora que vocês estão ficando ricos, não dá mais para ter carros porque o Planeta não aguenta”.

Até se pode dizer, mas está claro que os chineses e indianos e todos os emergentes, brasileiros incluídos, não vão topar essa solução.

O Brasil já o quarto mercado mundial dos chamados veículos automotores, com 3,5 milhões de unidades/ano. Pois a China já produz 12 milhões/ano.

Assim, além de alimentos, é preciso acrescentar combustível à lista de necessidades para os próximos anos. E energia, de um modo geral, para movimentar as cidades. Isso será produzido, em um ou outro país, de um modo ou de outro.

Mas o Planeta já não está poluído? Os recursos já não estão esgotados ou excessivamente utilizados? Sim e sim, claro. E daí? Lamentamos, apenas, e nos apavoramos com um cenário de guerra por comida e água?

A resposta tem que estar no outro lado, no conhecimento e na tecnologia. Como produzir mais comida sem derrubar as árvores que sobraram e sem acabar de matar os rios? Como produzir carros que não emitam CO2? Como fabricar mais roupas em indústria têxtil limpa? Como obter energia limpa?

É nisso que o mundo está empenhado. O mundo esperto, bem entendido. Em diversos países, é intensa a pesquisa de carros elétricos. Idem para uma enorme variedade de formas de geração de energia limpa.

Será possível ganhar essa batalha tecnológica? A agricultura já ganhou mais de uma. A mais sensacional ocorreu nos anos 50 e 60, a Revolução Verde, que deu o Nobel da Paz de 1970 ao agrônomo americano Norman Borlaug.

Na ocasião, havia um debate muito parecido: o mundo em expansão, enriquecendo, a população se expandido a taxas vigorosas e a produção de alimentos estagnada. Não poucos estudos previam o cenário catastrófico de fome e guerras.

As novas tecnologias simplesmente multiplicaram várias vezes a capacidade de produção de alimentos, cujo preço caiu, tornando-se acessível às camadas mais pobres.

A agropecuária brasileira foi protagonista recente dessa história. Um exemplo: nos últimos 20 anos, a área plantada com grãos aumentou uns 30%; a produção, 180%. Outro, a “quase” invenção do etanol. Outro ainda, a posição dominante como produtor de carne.

Por isso, a OCDE estima que o Brasil tenha capacidade para entregar 40% da produção adicional de alimentos para os próximos dez anos. E com sustentabilidade, pois está claro que não adianta salvar o mundo com uma mão e matá-lo com a outra. Resumindo, o mundo acha que o Brasil pode entregar mais comida sem degradar a terra.

O pessoal daqui concorda, mas adverte: pode, se ajustar o foco do investimento em tecnologia. Coisa que muita gente está fazendo pelo mundo afora.

Resumo da ópera: por toda parte, as pessoas sentem os efeitos da poluição. Na China, essa é a causa mais frequente de protestos populares que inquietam as lideranças. É preciso barrar essa degradação e salvar o Planeta. Ao mesmo tempo, porém, populações enriquecem e julgam-se no direito de consumir mais.

Só há duas maneiras de conciliar essas forças opostas. Uma é uma imensa guerra que reduza a população. A outra está no conhecimento teórico e na tecnologia.

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