02-08-2011

Colecionar latas: um hobby coisa séria

Saul Jampolsky, colecionador de respeito.Recorde sul-americano com 36 mil latas.

Quem nunca colecionou latas para bebidas? Se não colecionou, certamente já conheceu ou conhece algum aficionado. A coleção de latas se inicia não pela bebida em si, mas por causa do apelo visual das embalagens. Para os adeptos da prática, colecionar é construir acervo, é um estilo de vida que reúne pessoas e cria fortes laços de amizade. Febre nos anos 1990, especialmente após a fabricação nacional das primeiras latas de alumínio, a brincadeira de alguns se tornou coisa séria para três amigos que se conheceram graças a esse hobby.

Com a abertura comercial há 20 anos, os produtos estrangeiros começaram a ser mais acessíveis para os brasileiros. Latas para bebidas de outras partes do mundo começaram a ser vendidas em supermercados, levando os colecionadores à loucura. Grupos de entusiastas das latas começaram a se organizar, trocar exemplares e compartilhar informações sobre novas embalagens. Nessa época vivia-se em um mundo sem internet, sem telefone celular, e com uma telefonia fixa caríssima. Isso significava que ser um colecionador exigia paciência e insistência.

Trocar uma lata podia levar mais de seis meses, lembra o colecionador gaúcho Ozenir Carlos Peixoto. “Era tudo por carta. A gente ficava se correspondendo durante meses até a lata chegar pelo correio em casa. Era uma expectativa só”.

Com a Internet, as distâncias se esfarelam com apenas um clique. Basta uma busca na rede mundial de computadores e informações do mundo inteiro aparecem. Trocar latinhas tornou-se mais fácil e sem fronteiras. A chance de encontrar aquela latinha tão sonhada para completar a coleção fica próxima.

Atualmente no Brasil existem mais de 900 colecionadores profissionais segundo dados do Brasil Chapter, um dos maiores clubes de colecionadores de latas do País. Criado no final de 1994 por um grupo de colecionadores paulistanos, hoje tem membros em todo o território brasileiro. O presidente do clube, Carlos Gurgel, comenta que o Brasil Chapter é um meio que permite troca de informações e interação entre os associados. “Além de realizar leilões, temos encontros anuais que permitem contato singular com amigos e, claro, troca de latas”, contou.

Engenheiro de formação e presidente da DMI soluções em TI e Telecom, Gurgel possui 3.900 latas de cerveja, três tipos para cada país do mundo, colecionadas ao longo de mais de duas décadas. Sua coleção chegou a ter 17 mil latas. “Nessa época, eu não tinha um foco na coleção e acabei me desfazendo. Uma parte eu doei, outra enviei para a reciclagem”. O colecionador conta que para atingir sua meta faltam mais ou menos uns 50 países, mas pondera: “Depois que atingir meu objetivo, quem sabe não começo outro? É um vício”.

Com uma coleção mais uniforme, Gurgel armazena suas latas na sala de estar de seu apartamento em São Paulo em armários elaborados exclusivamente para este fm. Ele afirma ue sua mulher gosta da coleção e não implica com seu hobby.

Gurgel admite que não faz ideia de quanto vale sua coleção, mas conta que tem latas que podem chegar ao valor de R$ 3 mil. Para quem acha que é muito dinheiro, o colecionador relata que viu uma ser arrematada por R$ 27 mil durante uma conferência nos Estados Unidos.

Para o engenheiro, o que é mais importante em colecionar latas é fazer amigos. “Quando falo das amizades que eu fiz por causa das latas, me aproprio da frase do meu amigo Ozenir Peixoto: ‘Colecionar é a arte de fazer amigos’. E realmente por meio da coleção conheci gente de todo canto do mundo”.

O gaúcho Peixoto completa as palavras de Gurgel: “colecionar é muito mais que um hobby, é conquistar amizades. Isso é fenomenal. Se não fosse a lata não conheceria tanta gente. Meu telefone toca todos os dias, criei várias amizades e me sinto orgulhoso disso. É essa a peça mais importante da minha coleção”.

Assim como Gurgel e Peixoto, o aposentado Saul Jampolsky afirma que a amizade realmente é a melhor parte do hobby e completa dizendo que sem os amigos que fez, a vida não teria graça. “Quando eu viajo fco hospedado na casa dos meus amigos colecionadores. São amizades sinceras e lógico que nosso assunto preferido é lata!”, declarou.

Viagens, latas e uma busca sem fim

O aposentado Saul Jampolsky já colecionou de tudo nessa vida, de lápis a caixas de fósforos. Mas foi há 25 anos que ele se dedicou a colecionar latas de cerveja. São 36 mil latas reunidas em ordem alfabética em expositores elaborados sob medida, no 4º andar da sua casa em São Paulo. “Está tudo organizado e catalogado no computador. Tenho um site também, quem quiser trocar latas pode me contatar por lá”, apontou revelando que está bem antenado aos 73 anos de idade. Hoje, é o maior colecionador da América do Sul.

O foco da sua coleção? O mundo! Jampolsky viaja muito, e sempre acompanhado da mulher. Só este ano já esteve em Dubai, Israel, Estados Unidos e México e, durante essa entrevista, estava de malas prontas para ir ao Paraguai. Das suas 36 mil latas, 1.800 são brasileiras que ele confessa ter um carinho especial. Cheio de histórias para contar, o aposentado lembra momentos engraçados que passou durante as suas viagens em busca de latas. Um deles foi  em uma cidade do Caribe: “Eu fui comprar 4 dúzias de latas de cerveja em uma loja. Gostei muito daquela embalagem, eu não tinha na minha coleção. Sentei no meio-fio e comecei abrir as latas e jogar o conteúdo no bueiro da rua. Um policial chegou e perguntou se eu estava ficando louco. Eu mostrei meu recibo de compra e disse a ele que só me interessava pela embalagem. Ele saiu de perto sem falar nada. Aí eu pensei, ‘tô ferrado, ele deve estar indo buscar reforço policial’. Mas que nada! Ele chegou com um balde e disse que se eu não queria cerveja, ele queria”.

Outra situação embaraçosa foi no Guarujá, litoral sul de São Paulo. O colecionador havia passado um tempo viajando e, quando voltou ao Brasil, foi direto para a praia onde viu duas senhoras bebendo sentadas em um banco na orla. “Fiquei observando as latas das duas, até que elas terminassem de tomar. Me aproximei e pedi a elas as embalagens. Quando me virei para ir embora feliz da vida que eu tinha duas latas novas, escutei elas comentarem: ‘Um senhor tão distinto catando latas’. E o pior, quando fui ao supermercado no dia seguinte, tinha várias prateleiras com as mesmas expostas”.

Quando perguntado sobre sua meta, Jampolsky é enfático ao dizer que não possui meta alguma. Para ele, colecionar e viajar são muito mais prazerosos que qualquer objetivo. O seu argumento é prático, pois para cada lata que adquire, mais de mil são produzidas, “É uma busca sem fim”, completa. Mas confessa que está atrás da edição limitada das latas do James Bond. São sete unidades alusivas lançadas por uma cervejaria americana. O colecionador já tem duas.

Assim como não estima o preço da sua coleção não consegue expressar a sua felicidade em juntar as duas coisas que mais gosta, viajar e encontrar novas latas. Para ele é a melhor distração que poderia ter.

A dica dos amigos para quem quer começar colecionar latas é comprar a primeira e guardar. Quem não tem espaço para armazenar, Jampolsky sugere particularizar a coleção. “Quem quer continuar casado, ou arranja um espaço ou foca a coleção”, finaliza.

>> Notícias da Lata - Edição 38

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