05-09-2017

A evolução da reciclagem no Brasil

Ao longo dos anos, catadores ganham respeito e seu trabalho passa a ser considerado uma atividade econômica importante, mas ainda são tratados com preconceito.

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Ronei Alves, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) no Distrito Federal

A TV mostra uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis, contratada por uma prefeitura para realizar a coleta seletiva de lixo domiciliar, fazendo a triagem com equipamentos adequados, compactando o resíduo e comercializando o material que vai ser reciclado. São profissionais organizados, com planilhas nas mãos, verificando custos da produção e repassando o salário para seus colaboradores. A imagem é bem real hoje, com a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Mas, para chegar a esse estágio, muitos passos foram dados na conscientização da sociedade sobre a reciclagem de material descartado. “Ainda temos muito a caminhar na construção de um modelo ideal, mas, com certeza, estamos no caminho certo”, avalia Renault Castro, presidente executivo da Abralatas.

O tratamento adequado dos resíduos sólidos urbanos e a reciclagem começaram a ganhar importância nos debates sobre o desenvolvimento sustentável há pouco mais de 30 anos, na década de 80. As instituições passaram a colocar na agenda um termo novo, o “desenvolvimento sustentável”. O debate conceitual, associado ao surgimento de novas tecnologias, impulsionou o reaproveitamento de materiais considerados “rejeitos”. “O que era lixo passou a ser visto como renda, como fonte de receita para milhares de pessoas”, conta Renault, lembrando que apenas em 2002 o trabalho do catador foi reconhecido como uma atividade, passando a integrar a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

Para Ronei Alves, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) no Distrito Federal, o grande problema hoje não é mais a falta de conhecimento das pessoas sobre coleta seletiva. “A sociedade entende o papel da reciclagem, sabe a importância e tem vontade de fazer. O maior problema hoje é a falta de vontade política para fazer isso acontecer. Não existe vontade para reduzir os impostos de produtos com alto potencial de reciclagem”, critica.

Evolução – Quando o tema sustentabilidade começou a ganhar espaço nas discussões sobre preservação do meio ambiente, a figura do catador nem existia. As pessoas se lembram do trabalhador que passava recolhendo o lixo, chamado de gari ou lixeiro. Não havia preocupação em separar o lixo antes de seu descarte. Não se discutia sobre a destinação final do material ou se esse podia ou não ser reaproveitado. Muita coisa mudou, mas, apesar de constar em lei a determinação de sua extinção, os lixões ainda são os grandes responsáveis pelo impacto ambiental gerado pelo descarte de materiais que levam décadas para serem degradados na natureza.

Trabalhador responsável por recolher e separar materiais descartados no lixo que podem ser transformados novamente em matéria-prima, o catador realiza um serviço de utilidade pública. Atua efetivamente na coleta seletiva, triagem, classificação, processamento e comercialização de resíduos reutilizáveis e recicláveis. O catador tornou-se elo indispensável da cadeia produtiva da reciclagem. A qualificação desse profissional, uma das atividades promovidas pela Coalizão Empresarial de Embalagens no âmbito do Acordo Setorial das Embalagens em Geral, é necessária para que as determinações estabelecidas pela PNRS tenham êxito.

As prefeituras começaram a entender que, ao invés de contratarem empresas para a coleta seletiva, seria mais eficaz contratar cooperativas. Perceberam que os catadores são multiplicadores de informações, atuam como educadores e agentes ambientais, ajudam a população prestando esclarecimentos e oferecendo orientações sobre a forma correta de separar o lixo. Cada cidadão precisa saber identificar e selecionar materiais que podem ser reaproveitados, antes de jogá-los fora. Dados do relatório de trabalho produzido pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) mostram que apenas 13% do total de resíduos urbanos gerados no Brasil são encaminhados para reciclagem. Apesar desse baixo percentual, o Brasil se destaca na reciclagem, em relação a outros países.

Pesquisa nacional sobre saneamento básico divulgada em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que são recolhidas, no Brasil, cerca de 180 mil toneladas diárias de resíduos sólidos. Aproximadamente 60% vão parar em lixões a céu aberto, sem nenhum tipo de tratamento. O prejuízo econômico causado pelo descarte incorreto de lixo no Brasil supera a cifra de R$ 8 bilhões anuais, de acordo com estudo publicado em 2010 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Entre os produtos com índices de reaproveitamento mais elevados estão o alumínio e o papelão.

O MNCR surgiu em junho de 2001 e em março de 2006 organizou uma marcha até Brasília (DF) para exigir do Governo Federal a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações. Levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) aponta que existem cerca de 800 mil catadores no país.

Depositar resíduos sólidos em lixões passou a ser considerado irregular pela Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, e pela Lei de Crimes Ambientais, de 1998. A PNRS, instituída pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, determina, entre outras imposições, que os aterros sanitários somente podem receber rejeitos, isto é, o material que sobra após a retirada de tudo o que pode ser reaproveitado.

Atualmente, aproximadamente 18% das cidades brasileiras contam com o serviço de coleta seletiva. Um número ainda baixo se considerarmos que o Brasil possui mais de cinco mil municípios. “A desoneração da cadeia de recicláveis tem papel fundamental na estruturação da coleta seletiva. Existem materiais que pagam imposto ao serem produzidos e pagam imposto novamente quando são transportados de um estado a outro para reciclagem”, explica Ronei Alves.

A PNRS considera que fortalecer a organização produtiva dos catadores em forma de cooperativas e associações é um passo necessário para ampliar o leque de atuação dessa categoria. As ações de capacitação e de divulgação promovidas pela Coalizão Empresarial em relação às cooperativas de reciclagem estimulam a institucionalização da atividade por meio desse tipo de organização.

Os primeiros resultados obtidos em Brasília, com a contratação de cooperativas para a coleta seletiva e triagem do material, mostram que o modelo pode inclusive reduzir a quantidade de resíduos recicláveis que acabam nos lixões e aterros. O Serviço de Limpeza Urbana (SLU) de Brasília constatou que 75% do material coletado por cooperativas estão em condições de serem reaproveitados, percentual que cai para 50% quando a coleta é realizada por empresas.

“A cooperativa é obrigada a entregar os rejeitos da coleta no SLU. Para evitar isso, eles fazem o trabalho com muito mais atenção e orientam os moradores na separação dos resíduos”, avalia Kátia Campos, presidente do SLU. Enquanto as empresas contratadas recebem por tonelada recolhida em Brasília, as cooperativas cadastradas recebem pelo trajeto percorrido e também pela venda do material coletado.

“Quando as pessoas separam o lixo em casa, evitam que o material reciclável se misture com papel higiênico, guardanapos e absorventes que acabam contaminando o material que poderia ser reaproveitado”, explica Ronei Alves. Ele acredita ser possível triplicar os ganhos para catadores, cooperativas e para o meio ambiente se houver uma separação e um descarte correto do lixo dentro de cada residência.