15-10-2015

Especialistas avaliam a viabilidade de um sistema tributário sensível ao impacto ambiental

Às vésperas da 21ª Conferência do Clima (COP 21) que será realizada em dezembro, em Paris, o Ciclo de Debates Abralatas 2015 reúne especialistas para discutir uma política tributária que sinalize uma opção do país pelo combate ao aquecimento global

Um ano após confirmar a fundamentação constitucional do estabelecimento de uma política tributária que dê tratamento diferenciado a produtos e serviços de acordo com seus impactos ambientais, a Abralatas reunirá em São Paulo juristas, economistas e ambientalistas para apontar os melhores caminhos para a implantação da Tributação Verde no país. O evento contará com apresentações do jurista Ives Gandra Martins, do economista Ricardo Abramovay, do ambientalista Fábio Feldmann e da advogada tributarista Lucilene Prado, especialistas que estudam, há anos, a relação entre a economia e o meio ambiente. Severino Lima Júnior, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, também apresentará a visão dessa categoria sobre o assunto. O jornalista William Waack será o moderador do debate.

“Sabemos que o país passa por sérias dificuldades econômicas e políticas. Mas precisamos pensar no futuro, sinalizar para as próximas gerações que o Brasil se preocupa com o seu desenvolvimento sustentável e, mais do que isso, utiliza, efetivamente, instrumentos que induzem a produção e o consumo nesse sentido”, avalia o presidente executivo da Abralatas, Renault Castro.

Para Renault é importante também considerar os impactos positivos que uma Tributação Verde poderá trazer para a economia nacional. “Há dois pontos relevantes que devem ser ressaltados. O Brasil já é reconhecido como dono de um dos maiores ativos ambientais do mundo, mas pode passar a ser tratado também como líder na adoção de práticas que conduzem a um desenvolvimento econômico sustentável. Isso é importante especialmente neste momento de crise. Mostra que o país está seguindo o caminho certo. O segundo ponto é a questão da inovação em tecnologia ambiental, proveniente de um desejado tratamento diferenciado. Com o estímulo da Tributação Verde, sobreviverão os que forem mais inovadores nessa questão”, analisa Renault.

O jurista Ives Gandra, um dos mais renomados advogados tributaristas do país, apresentará uma análise de como tornar viável a Tributação Verde. Em 1987, Ives Gandra apresentou diversas sugestões sobre o assunto aos constituintes, permitindo, inclusive, que alguns temas, como a Tributação Verde, pudessem ser tratados em lei complementar.

Esta será a sexta edição do Ciclo de Debates Abralatas, iniciado em 2010, que já tratou de temas como a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e realizou debates em universidades e entre candidatos a prefeito de quatro capitais, sobre suas propostas para a coleta seletiva com inclusão social.

No ano passado, o Ciclo de Debates Abralatas abordou a fundamentação constitucional da Tributação Verde. Um dos participantes foi o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito, que identificou a Tributação Verde como um dos princípios da Ordem Econômica e Financeira da Constituição Federal. O artigo 170 da Constituição estabelece que a defesa do meio ambiente deve ser observada, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

Ives Gandra, neste ano, indicará caminhos para que esse tipo de política tributária seja mais eficaz para a sociedade e para o desenvolvimento econômico. Segundo ele, o tratamento diferenciado previsto na Constituição pode ser estimulador de uma conduta desejável ou punitivo, apenando uma conduta indesejável. Mas, de qualquer forma, deverá confirmar a possibilidade de que a lei e a regulação interfiram no modelo de desenvolvimento econômico, visando à defesa do meio ambiente. “O melhor mecanismo para uma política de estímulos é acionar o sistema tributário vigente”, diz o tributarista, em parecer elaborado sobre o tema.

Visões complementares

Palestrantes do Ciclo de Debates Abralatas 2015 apresentam pontos de vista diversos, mas complementares, para o desenvolvimento sustentável

A participação de especialistas de formações distintas possibilita que o Ciclo de Debates Abralatas 2015 tenha também visões complementares sobre o desenvolvimento sustentável. A advogada tributarista Lucilene Prado, presidente do Conselho Fiscal do Instituto Natura e conselheira do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas, aborda a tributação como mecanismo indutor da economia sustentável. Já o economista Ricardo Abramovay, professor da Universidade de São Paulo e pesquisador do CNPq, reforça a importância da educação ambiental e da inovação como parte de uma diretriz básica para dar maior eficiência ao uso de recursos, para se atingir o descarte zero.

Lucilene-Prado2 “A tributação dever ter um papel indutor do desenvolvimento sustentável, permitir o custeio de externalidades negativas da produção”, analisa Lucilene. E completa: “Em tese, o tributo tem que servir para custear o impacto econômico, ambiental e social daquela atividade, servir para mitigar os problemas que serão criados com a produção. Se um setor utiliza uma matriz energética mais limpa, deveria, por exemplo, ter um ICMS menor do que quem utiliza carvão. É mais lógico, porque o Estado vai ter custos menores com saúde”.

Como bom exemplo de uma política indutora no Brasil, Lucilene cita o caso do Ceará, que decidiu repassar uma parte do ICMS para os municípios que conseguissem aumentar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), indicador da qualidade da educação. E avalia que também poderia ser utilizada na aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. “A proposta tramitou durante 20 anos no Congresso e não conseguiu acabar com os lixões. Poderia haver o repasse de uma parte do IPI, por exemplo, para os municípios que implantassem a coleta seletiva e acabassem com os lixões”.

Ricardo_AbramovayRicardo Abramovay também critica a rigidez da tributação no país, que acaba penalizando inclusive a reciclagem. “A tributação deveria ter uma flexibilidade capaz de se adaptar a movimentos de preços, de forma a estimular práticas mais sustentáveis. Hoje, com a queda do preço do petróleo, fica mais barato para alguns setores fabricar um produto novo do que reaproveitar aquele que foi descartado após o consumo”.

Defensor da “Economia Circular”, que privilegie o “descarte zero”, Abramovay entende que o produto deve ser concebido, tanto na sua embalagem quanto no seu conteúdo, com a preocupação do descarte pós-consumo. “Esta pergunta não era relevante quando o mundo tinha três bilhões de habitantes, em 1950. Em um mundo com 7,2 bilhões de habitantes, caminhando para nove, dez bilhões, as empresas que não se atentarem para isso não só vão perder sua legitimidade, sua licença para operar, como vão perder oportunidades de negócios. Isso vai ser cada vez mais importante”.

Para ele, é relevante haver também uma educação ambiental para orientar o consumidor. “Nunca vi uma publicidade para te dizer o que se faz com uma embalagem usada de pasta de dente. Nem sei se pode ser reciclada. Quais são os produtos passíveis de reciclagem, quais são os que não são passíveis de reciclagem? Há um estudo nos Estados Unidos mostrando que reciclagem é a primeira coisa que as famílias começam a fazer quando se sensibilizam para temas socioambientais. É o primeiro passo. As pessoas têm disposição para fazer reciclagem. O que não têm são informações corretas e um sistema correto, economicamente viável, de coleta e destinação desses materiais. Isso está muito mal equacionado no Brasil”.

>> Notícias da Lata - Edição 63

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